Página Principal de Nilma Lacerda - escritora, pesquisadora e professora

Com o mar na boca

Atravessei o mar para nascer. Minha mãe, perfeito exemplar da aldeia encantada de Cem anos de solidão, de Gabriel García Marquez, ouviu o obstetra dizer à parteira, em um tempo em que obstetras e parteiras conviviam nos hospitais, que a radiografia feita havia pouco mostrava um feto de quatro pernas. Minha mãe daria a luz a um monstro? Não, e me fechou a saída para a vida. Morreríamos as duas, ela, mãe indigna, eu, um ser deformado de seu ventre. O bisturi preciso do médico me ofereceu a oportunidade de nadar e alcançar a praia. Não recusei o convite, nasci, dois braços, duas pernas e o sabor da água salgada na boca. Esse sabor me ensinou a sede, a sede me ensinou a letra.

Em mim, a letra é, portanto, um fruto do bisturi. E, no entanto, menos que para cortar, eu a uso para coser. Escrevo, dou aulas de literatura, penso sobre leitura e escrita, copio o que as pessoas escrevem por muros e ruas das cidades. Considero meu maior projeto a aliança entre ventura intelectual e aventura feminina.

Quer saber mais? Leia-me.
Estou na pele de minhas personagens. 

Nilma Lacerda

Notícias

Ladrilhos é a coluna quinzenal da autora na Revista Pessoa - Revista de Literatura Lusófona.

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