Página Principal de Nilma Lacerda - escritora, pesquisadora e professora

Sobre a Obra

Um escritor entusiasma os críticos

Na quarta-feira da semana passada, Nilma Gonçalves Lacerda, 37 anos, três filhas e muitas tentativas literárias, ficou muda de espanto: do outro lado do telefone, o presidente da Fundação Rio lhe comunicava que seu romance, Manual de tapeçaria, merecera o primeiro lugar de um concurso milionário. O júri constituído por Fausto Cunha, Eduardo Portela, Ênio Silveira e Antônio Houaiss, entre outros, não teve dúvidas na escolha. Nessa última quarta-feira, nova surpresa. Nilma, que havia inscrito uma novela para jovens no Prêmio Alfredo Machado Quintela, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, dividiu o primeiro lugar com Marco Túlio Costa, graças a Dois passos pássaros. E o voo arcanjo, história de uma mãe suicida, pai e filha que não se entendem e de um irmão excepcional, que é também o narrador dos conflitos.

No espaço de uma semana, essa desconhecida professora secundária da rede estadual, moradora do Jardim Guanabara, na Ilha do Governador, leva para casa Cr$ 12 milhões 500, o status de ganhadora de dois prêmios, um deles o Prêmio Rio de Literatura e ainda garante a publicação de duas obras: uma pela editora Philobiblion, outra pela Record.

– Estou me acostumando com a ideia – confessa Nilma, num intervalo das atenções dispensadas à caçula, Maíra, de quatro meses, motivo de uma bem aproveitada licença, só interrompida para organização de uma feira de livros na Escola Anísio Teixeira. A “ideia”, no caso, não é tanto a quantia que engordará sua conta bancária – em 19 anos de magistério e dois empregos ganha Cr$ 5 milhões mensais. Mas a perspectiva de, afinal, realizar um sonho muito antigo: ver suas palavras lidas, suas teses discutidas. Primeiro passo num caminho que ela vem traçando para si, ambiciosamente, e que inclui passagem por quase todos os concursos literários existentes no país. – Quero ser uma grande escritora e venho me preparando para isso. Agora, por exemplo, que vou ter meus primeiros livros publicados, não preciso correr para preparar uma segunda obra, para assegurar a continuidade: tenho, na gaveta, dois volumes de contos, um de poemas e três novelas para jovens que inscrevi na Bienal Nestlé.

Iniciativa do presidente da Fundação Rio, Gerardo Mello Mourão, ansioso por deslocar “o pólo de grandeza cultural de São Paulo de volta” para cá, o Prêmio Rio de Literatura acolheu 129 originais de autores, em sua maioria inéditos, e distinguiu apenas três. Além de Manual de tapeçaria, enviado sob o pseudônimo de Da Silva, Ângelo Sobral desce aos infernos, do baiano Ruy Espinheira Filho e As chamas na missa, de Luiz Guilherme Santos Neves. A grande maioria dos romances, na opinião do jurado Ênio Silveira, não apresentava qualidade literária relevante e aproveitava temas e situações inverossímeis, claramente extraídas da estética das novelas de TV.

Manual de tapeçaria no entanto, me surpreendeu por ser excepcionalmente construído – garante Ênio – entremeando, como numa tapeçaria mesmo, a realidade vivida, pensada e imaginada.

A matéria-prima de Nilma, criada na Ilha do Governador desde os sete anos, mestrado em Literatura pela UERJ, é a educação e o dia a dia brasileiro que apreende da leitura ávida de jornais, principalmente das páginas policiais. Meticulosa, Nilma decorou sua casa confortável com material para sonhos: infinitos pratos dispostos nas paredes, móbiles, lustre de pingentes, cristaleira, aquário e uma moderníssima aparelhagem de som. Essa diversidade de elementos ela trouxe para sua prosa premiada, onde discute a narrativa, as diretrizes educacionais e as vidas de Jomar e de uma mulher, a narradora: ora menina, ora adulta.

– O texto dela foi o único que apareceu em todas as listas dos jurados – conta Eduardo Portela, para quem os 129 romances apreciados podem (com as devidas reservas), representar o impasse da atual ficção brasileira que “se desficcionalizou e não sabe retornar em outro discurso”.

Em Manual de tapeçaria é possível se sentir o profissional da linguagem, o escritor que tem o sentido do texto. É apostado nesse sentido, descoberto logo nas primeiras tímidas investidas, numa oficina de criação literária, em 1976, que Nilma Gonçalves Lacerda vem tentando obter um prêmio, desde 1981 – para ela, o único passaporte para sair do anonimato. Incentivada pelo marido, Paulo Cesar, funcionário do Banco do Brasil, Nilma gastou, só nesse ano Cr$ 2 milhões em cópias Xerox e múltiplas vias para os concursos Rio e Bienal Nestlé. Sem contar a datilografia, cujo desconhecimento a obriga a escrever à mão e transformar a escrita num esforço físico, desenvolvido, às vezes, noite adentro e depois de prontos passar os textos para uma datilógrafa profissional.

Fã de Machado de Assis, Mário de Andrade, Clarice Lispector e Nélida Piñon, Nilma chegou à literatura sem inspirações evidentes. Idealista, ela acha que o escritor interfere no mundo e, portanto, com o que escreve, ela teria condições de fazer “os brasileiros se sacudirem, descobrirem o amor-próprio, não se entregarem de bandeja”. Seus livros, no entanto, não são tão românticos.

Primeiro lugar entre 34 concorrentes do concurso Alfredo Machado Quintela, realizado pela 5ª vez, Nilma entusiasmou, também, Laura Sandroni, presidente da FNLIJ e jurada. Mesmo sem saber quem se escondia sob o pseudônimo, Laura apostou que era mulher e inédita, “mas cheia de encanto e talento”.

– O texto dela é poético, lírico e escrito num estilo completamente diferente das obras existentes na área. Achamos que premiá-la seria dar-lhe oportunidade de concretizar a vocação latente.

Calma, ansiosa por verbalizar o que durante todos esses anos só pode desabafar no papel, Nilma começa a se preparar para a fama.


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Vivian Wyler
Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, Caderno B
29 de novembro de 1985

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